quarta-feira, 10 de junho de 2009

O Acidente do Pocotó

Ausência

Olá pessoal, estive ausente do Blog por algum tempo, mas agora estou retornando (aos poucos, mas estou). Como muitos sabem o porquê e outros não, aqui vão algumas explicações.


O Motivo

Dia 11 de Janeiro de 2009, um Domingo pela manhã eu estava com um colega fazendo “arte” de bike. Montamos uma rampa e estávamos treinando saltos. Rampa caseira, mas firme e bem montada. Com pinos de fixação e tudo mais, inclusive tinha também uma rampa de recepção (quem é da coisa sabe do que estou falando). Na medida em que treinávamos a altura da rampa também acompanhava. Detalhe: não só acompanhava em altura como também em comprimento para que fossem respeitadas as devidas angulações. Por último ela estava a 1,68mts e estávamos saltando bem, e foi ai que caímos na besteira de aumentar ela que foi a 1,82mts de alt. O que dependendo da velocidade (que não pode ser muito baixa), projeta a base da bike +/- uns 40cm acima, o que dá +/- 2,20mts somando mais a altura que temos quando estamos montados (algo entorno de 1,60mts), atingimos facilmente os 3,8mts.


A Queda

Em um destes saltos algo deu errado e quando a bike tocou o chão os 200 mm da suspa dianteira trabalharam e o shoks trazeiro deu o retorno, fazendo a bike dar um capote pra frente. Cai reto de cabeça no chão, escutei o meu pescoço estralar como se fossem os dedos da mão (foi horrível). Só lembro de ter colocado as mãos pra frente e ter protegido o rosto. Como era verão, e estávamos em um lugar fechado (uma antiga fábrica). A minha queda foi tão seca que mesmo estando só de bermuda não tive nenhuma escoriação, principalmente nos joelhos que sempre são os primeiros a sofrerem em uma queda. As luvas fechadas protegeram bem minhas mãos e o capacete um Bell tradicional, o mesmo vermelhinho que eu apareço em muitas fotos da web salvou minha vida. Estava sem joelheiras e cotoveleiras. Se eu tivesse com o capacete de DH ou até mesmo com o colete de trilha nada teria mudado. O que poderia sim ter me ajudado era um protetor de coluna.


Primeiros Efeitos

Sempre que tenho uma queda, fico completamente imóvel, respiro fundo, tento sentir o corpo e ver os estragos (heheh).
Nesta queda não foi diferente, parei, respirei fundo e lento por algumas vezes (fiquei com medo de alguma hemorragia interna sei lá), logo de cara senti que meu corpo estava imóvel, só conseguia mexer os braços, o direito estava preso em baixo do corpo, mas consegui puxá-lo pra fora. O rapaz que estava comigo (vou deixá-lo no anonimato, principalmente porque tentaram culpá-lo por meu acidente, “nada haver,...”), foi muito prestativo, estava apavorado e queria poder fazer algo, eu disse para se acalmar e ver se havia sangue pelo corpo. Ele disse que estava tudo ok, e então me ajudou a tirar o capacete e as luvas.
De momento achei que meu corpo estava imóvel por causa do susto ou queda, mas em seguida notei que havia algo mais,... e da cintura pra baixo não havia movimento algum, e por um breve instante a vida passou a mil pela minha cabeça, coisas do tipo putz que merd* fui fazer, estraguei a minha vida, etc e tal,... Mas na mesma velocidade dos pensamentos eu tinha de tomar uma atitude imediata. Meu colega disse: “- chamo a SAMU?” Eu disse sim pode chama porque não tem outro jeito.


O Resgate

Estávamos na zona norte de Porto Alegre, próximos à ponte móvel do Guaíba. Do momento da ligação até a chegada da SAMU foram 18 min, visto que se liga para uma central que coleta as informações, e comunica o HPS e depois passam o rádio pra ambulância que se desloca do HPS até o local eu achei rápido. Visto que existem muitas falhas no sistema de saúde publica. Mais demorado que a vinda foi o pessoal do resgate descobrir como é que eles iriam me mover devido à gravidade de minhas lesões (pescoço e coluna).


Próxima parada HPS de Porto Alegre

Posso dizer que também fui muito bem atendido, tomografias, raios-x, etc,... Eu que sempre fui bom de cama (deita e dorme, heheh), desta vez estava bem acordado e assistindo a tudo isso.
Mas assim foi bom porque pude informar aos médico o que e de que forma eu havia me machucado. Minha única queixa do HPS é que eu me queixava de dor na mão direita a qual acabei quebrando o dedinho na queda e quando foram fazer a radiografia queiram insistentemente fazer da esquerda, mas comuniquei e o erro foi reparado. Fiquei hospedado (heheh) lá por três dias. Neste meio tempo conheci o neurocirurgião Albert Brasil, que de interessou pelo meu caso. E disse que iria tentar me transferir ao Hospital São José no complexo da Santa Casa de porto Alegre.


Hospital São José

Na Quarta, dia 14 de Janeiro, fui transferido para o São José, e na mesma semana já fui operado. Fiquei lá até o final de Janeiro. Na realidade eu ia sair uns dias antes, mas tive uma pequena infecção hospitalar. Acredito eu que tenha sido na utilização das sondas urinárias. Voltando um pouco atrás, o meu dedinho quebrado “eles” esqueceram, ficaram de ver, de dar um jeito e ficou por isso. Mas pelo menos a cirurgia foi bem sucedida e desde o inicio tenho tido uma boa recuperação.


À volta pra casa

Como moro sozinho, e sozinho não poderia ficar (alguém ia ter de sofrer este pênalti). De inicio a Ani tinha sugerido que eu fosse pro apê dela, o ed. tem elevador o que me facilitaria e muito futuras movimentações. Mas devido a ela estar no começo de uma gestação, as coisas não seria muito fácil não,... eu mal conseguindo me mover (exceção dos braços e o pescoço melhorando), mover este corpinho aqui iria exigir muito esforço físico dela. Não iria dar certo e excluímos a idéia. Além disso, minha mãe também estava querendo ficar comigo, e lá ainda teria a minha irmã para poder ajudar.

Quando eu ia ter alta (mas a infecção me atrasou), o pessoal do pedal, que não são poucos (mais adiante falarei neles), estavam se organizando pra me levar pra casa. Mas do jeito que eu estava mal conseguia ficar sentado, estava todo mole pros lados, sem firmeza alguma, horrível!!! Mas até mesmo por recomendação médica o melhor era ir deitado e de preferência em um veiculo apropriado. Contratamos um serviço de remoção.
Tudo certo, entregaram a mala aqui bem direitinho, heheh


Os primeiros dias em casa

Bah, nem queiram saber,...
Até tu te acostumar com o lugar, com a cama, (o pessoal do pedal comprou um colchão piramidal o que até hoje tem ajudado bastante). Em casa foram feitas as trocas de curativos (minha irmã fazia), e alguns dias depois foram retirados os pontos que ainda restavam. Depois foi só uma questão de se adaptar mesmo. Também tive sorte de não ter tido o que chamam de “escarras” (acho que é este o nome). Que são ferida que se criam devido a ficar muito tempo deitado. Passei batido por essa.


Os movimentos

Antes de ser operado, o Dr. Albert Brasil disse que eu sendo operado teria 30% de chance de “algum” tipo de recuperação, parcial ou não. E ainda completou 30% é pouco, mas é melhor do que 20 ou 10 ou nada. E realmente, eu tive companheiro de quarto que não tinha nem uma chance se quer. Eu ainda era um afortunado. E comecei a refletir. Pô!!! 30% é pra um cara sedentário que vai de casa pro trabalho e vice-versa. Eu era extremamente ativo, trabalhando na área externa e se deslocando pra lá e pra cá. Além de quase todas as noites sair pra pedalar, isso fora os finais de semana. Isso me da no mais uns 30% o que aumenta as minhas chances pra 50 ou 60% !!! Se eu tivesse como calcular minhas horas de pedal durante esses 30 anos (estou com 36) em que pedalo, vezes o meu percentual de quedas até que é bem baixo, visto os riscos da minha modalidade. O que ainda assim não diminui a gravidade dos acidentes.

Voltando ao assunto,...

Ainda no hospital eu tinha uns espasmos nas pernas, mas eram poucos. Comecei a ter microscópicos movimentos nos dedos do pé esquerdo. Em seguida comecei a mover minimamente a perna esquerda. E aos poucos ela foi recuperando, mas a direita nada, completamente mole. Mas eu sempre lembrava de um das muitas visitas que recebi no hospital, e me disse: “- cara, faz uma linha de pensamento, olha pro teu dedão/pé e diz tu vai mexer !!!” Sei que isso pra que esta de fora até soa meio cômico, heheh, mas foi bem assim, me agarrei com todas as forças de vontade e física, me concentrei e comecei a recobrar os movimentos da perna direita. Agora elas mexem, mas ainda existe uma série de dificuldades como força, firmeza, estabilidade, etc,.. mas aos poucos as coisas vão se encaixando. Nesse meio tempo o meu pescoço já tinha parado de doer, um alívio. Mas ainda não tinha firmeza nas costas para ficar sentado sem um apoio nelas. Usei colete (aquele de lycra mesmo, igual o que tem na Marisa, heheh), por um período e ajudou bastante. Já conseguia ficar sentado sem cair pros lados. O desafio atual além de voltar a caminhar é manter a postura das costas que se descuidar acabo relaxando e ficando muito curvo pra frente.


A Fisioterapia

Enquanto no hospital o médico disse que assim que eu desse alta, deveria começar a fazer fisio. Mas quando da alta, ninguém sabia da tal autorização. Foi uma confusão só. No final das contas tive de esperar até a primeira consulta de revisão com o cirurgião para pegar a autorização. Enfim, meu deu uma autorização para 30 seções e disse que depois poderia pedir para mais quantas fossem necessárias.

Eu iria ter a avaliação com a fisioterapeuta no dia 1’ de Abril, para daí então começar as seções. Meu pai, que também não mora aqui (com a mãe), teve um AVC e foi encaminhado ao HPS. Começava ai outra novela,... Tive de remarcar a consulta da fisio pois como estava em cima da hora não consegui ninguém que me levasse, e pra ser bem sincero acho que não tinha muita cabeça pra isso naquela hora. Pois meu avô também teve um AVC e veio a falecer. Passada toda essa novela mexicana, alguns dias depois comecei a fazer a fisioterapia na CEREPAL, que fica no Bairro IAPI, aqui mesmo em Porto Alegre. Eram três vezes por semana, mas tivemos de alterar pra duas porque o transporte que presta serviços a prefeitura não estava me levando as três vezes, e é melhor estender do que perder. Muito bom o trabalho da CEREPAL. Logo de inicio aprendi alguns movimentos que poderia fazer em casa com segurança. Além de que no meu primeiro dia já me colocaram nas barras pra caminhar. Desde então tenho tido boas evoluções, o quadril está mais firme, as pernas já respondem melhor aos comandos. Mas com o frio aumentando temos quase que um retrocesso, pois a musculatura fica toda travada. Um exemplo é a perna direita que ainda é mais lenta que esq e quando a temperatura baixa ela fica toda rígida, ai com muita paciência e movimentos lentos eu vou conseguindo mover ela novamente.


Amigos

Eu com 36 anos de idade já passei poucas e boas nesse mundão,... Mas é sempre na hora do vamos ver que agente conhece as pessoas. E mais uma vez pude comprovar que o mundo ainda está cheio de pessoas bem intencionadas, SIM!!! Logo que me acidentei, lembro que meus dois celulares não paravam de tocar, mas eu não tinha condição alguma de atender, não tinha fôlego pra falar. Lembro que quem atendia era a Ani ou a minha mãe senão a minha irmã (Jéssica). Muito bom saber que os colegas de pedal não são só colegas, e sim amigos preocupados com a tua saúde. E isso não tem preço. Eu sempre disse que quem tem amigos tem tudo e pude comprovar isso, só pena que na condição de lesado. 98% das visitas recebidas no hospital ou até mesmo depois em casa, foram de pessoas do pedal. Pois a minha vida sempre foi pedalar. Teve um único dia no São José que recebi 32 visitas só no horário do meio dia, cara, o quarto tava lotado, até teve amigos que viram do vale dos sinos só pra me ver.

Agradeço a todos que de uma forma ou outra e me auxiliaram, quer fosse telefonando, mandando mensagens de apoio (cel. e-mail, orkut, etc,...), rezando, indo ao hospital ou em casa, em fim, da forma que fosse,... Sei que alguns não foram ao hospital porque os horários eram complicados. E também teve os que não foram por opção própria. Mas entendo e respeito, pois afinal de contas ver um amigo deitado e imóvel numa cama? Não deve ser uma cena muito fácil da mente aceitar. Mas digo uma coisa para vocês, quando tiverem alguém conhecido num hospital vão visitá-lo, porque vocês (por mais que saibam), não têm noção o quanto é bom ver rostos conhecidos. Também tiveram aqueles que desde o inicio se propuseram em ajudar financeiramente, cedendo o valor pra minha remoção pra casa (a prefeitura não faz), conseguindo o empréstimo da cadeira de rodas, trazendo ela de Canoas até aqui, comprando o colchão piramidal, a almofada piramidal (muito útil), entre tantas outras coisas. Mais adiante, meu pai (que dava uma força nas despesas), faleceu após 16 dias internado no HPS. E mais uma vez pude contar com os amigos que moveram uma campanha para me dar um apoio. Tem um colega de pedal de muitos anos que uma vez por mês passa no BIG e quando vem me visitar esquece aqui umas sacolinhas, heheh. Também teve uma noite que o pessoal do passeio noturno (+/- uns 50 ciclistas), veio até este fim de mundo aqui trazer frutos da campanha e principalmente me dar um abraço,... bate a emoção só de lembrar,... e jamais esquecendo os que mesmo tendo de trabalhar (ou não) no dia seguinte passaram algumas noites comigo no hospital.


Eu e o meu pai,...



Por essas e outras que eu digo:

“Meus amigos,... muito obrigado por tudo,... obrigado mesmo!!!”

“Sei que as pessoas não fazem as coisas pensando no que vão receber em troca, mas tenho o mais profundo desejo de que vocês sejam retribuídos da melhor forma possível.”


Nota:
Como alguns preferem o anonimato,
não seria justo citar os nomes de algum e não de outros,
portanto fiz meus comentários sem citar nomes.
Assim acredito ser justo com todos.


Henrique (Pocotó)
+55 51 8454-9242
henriquesantos@ymail.com

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